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sexta-feira, 3 de novembro de 2017

A urgência de encarar a luta das mulheres como parte da luta contra o capitalismo.


Há um ano o Brasil passou por um golpe institucional contra o conjunto dos trabalhadores. De lá para cá, um governo golpista e aliado aos grandes capitalistas está à frente do país e implementa uma série de ataques aos direitos conquistados. Reformas e mais reformas são apresentadas como saídas para a profunda crise econômica que atinge o país, crise esta que não está isolada e sim diretamente ligada ao colapso da economia capitalista mundial, que se desenvolve desde 2008 e vem deixando sua marca profunda nas vidas da maior parte da população atingida por cortes de direitos, fim da aposentadoria e o aumento da miséria estrutural.
As saídas encontradas pelo grande capital respondem aos interesses de uma minoria que quer seguir lucrando, apesar da crise. Em todo o mundo, as diferenças sociais só aumentaram nos últimos anos e a concentração de renda nas mãos de poucos atingiu níveis nunca vistos antes, ao ponto em que hoje apenas oito homens possuem a riqueza equivalente a 50% da população mundial, ou seja, de 3,6 bilhões de pessoas[1]. Lucro para poucos e miséria para muitos.
Essa realidade também está posta em nosso país, onde apenas seis bilionários acumulam US$ 78 bilhões, equivalentes à riqueza acumulada pela metade da população brasileira mais pobre, ou seja, mais de 100 milhões de brasileiros[2].
E em se tratando da reflexão sobre a questão de gênero, devemos observar que a cara da riqueza mundial e nacional é a cara do patriarcado. Todos os mega milionários são homens e estão interessados em aumentar a taxa de exploração para seguirem garantindo sua boa vida de regalias e privilégios.
A maior contradição relacionada à concentração de renda está na discrepância entre o acúmulo de riquezas e a vida miserável da maioria. Milhões de pessoas vivem hoje submetidas à escravidão assalariada, à barbárie da fome, guerras, poluição, inundações e secas, desemprego e miséria. Entre os mais miseráveis, 70% são mulheres e meninas, que vivem à margem do sistema capitalista e que serão ainda mais impactadas pelos ajustes e ataques dos governos frente à crise que se aprofunda todos os dias. Podemos dizer que a pobreza e a carestia tem rosto de mulher e contrasta com os direitos conquistados por elas em todo o mundo nos últimos anos.
Desigualdade na vida e a violência patriarcal
Além das desigualdades nas condições de vida, as mulheres em todo o mundo sofrem com a violência machista imposta pela sociedade capitalista, sendo alarmante o dado anual de que entre um milhão e meio e três milhões de mulheres e meninas são vítimas de violência. Apesar dos enormes avanços tecnológicos e científicos em todo o mundo, 500 mil mulheres[3] morrem anualmente fruto de complicações no parto e 500 mulheres morrem todos os dias por consequência de abortos inseguros e clandestinos. A prostituição tornou-se uma indústria de grandes proporções e rentabilidade, o que fortalece as redes de tráfico de mulheres. Entre os 960 milhões de analfabetos, 70% são mulheres[4].
No campo profissional, as mulheres respondem por mais de 40% da força de trabalho, sendo que mais da metade desse total são de trabalhadoras precarizadas. Além, é claro, de sermos nós, mulheres, que carregamos o peso do trabalho doméstico não remunerado, nos enfrentando com a “escravidão do lar” e com a responsabilização total da criação dos filhos.
Em nosso país, essas diferenças se somam às desigualdades entre brancos e negros, sendo que os homens brancos estão no topo do acúmulo de riquezas e as mulheres negras estão na base da pirâmide social, empregadas nos trabalhos mais precários e sujeitas às piores condições de vida.
O Brasil está entre os dez países mais desiguais do mundo e o desequilíbrio é ainda maior se comparado à vida das mulheres. Em nosso país, as mulheres trabalham cerca de 7,5 horas a mais que os homens[5]. 90% das brasileiras estão sujeitas ainda à dupla jornada e cumprem com a função não remunerada do trabalho doméstico[6]. A renda per capita da mulher brasileira é 66,2% inferior à dos homens[7].
Além disso, os índices de violência são bárbaros. Entre 1980 e 2013, 106.093[8]brasileiras foram vítimas de assassinato, sendo que metade destes foram cometidos por companheiros e ex-companheiros. Em uma década o número de violência cresceu muito em geral e afetou particularmente mais da metade das mulheres negras.
Vale destacar ainda que 85% das mulheres brasileiras tem medo de sofrer violência sexual, uma realidade que hoje atinge três de cada cinco mulheres jovens. Uma em cada cinco mulheres de variadas idades, já sofreram algum tipo de violência. O Brasil tem uma  denúncia de violência contra a mulher a cada sete minutos.
Essa situação é legitimada atualmente pelo governo de Michel Temer, abertamente conservador e contrário às demandas democráticas das mulheres. Algumas medidas reforçam a violência de gênero, pois criminaliza a propaganda de métodos abortivos e obriga que as mulheres primeiro comprovem o estupro nas delegacias para depois terem direito ao atendimento médico. Sem contar a tentativa de proibição da discussão de gênero e sexualidade nas escolas com o Projeto de Lei Escola sem Partido.
Os ataques de Temer para a vida das mulheres
A desigualdade profunda em nosso país é fruto do capitalismo, que troca vidas por lucros individuais. Nesse momento atravessamos uma enorme crise e os grandes empresários e políticos querem que sejamos nós a pagar por ela. No Brasil, governado por representantes do capital externo e da alta burguesia, são inúmeras as medidas de ajuste que levarão à maior exploração do conjunto dos trabalhadores e, consequentemente, as mulheres estarão sujeitas ainda mais à miséria.
A terceirização irrestrita, recentemente aprovada no Congresso, permitirá que todas as atividades sejam terceirizadas, não somente as áreas de limpeza ou vigilância, mas todos os serviços, incluindo o chão de fábrica e o trabalho docente.
Em nosso país, um trabalhador terceirizado recebe em média 24% a menos que um trabalhador efetivo[9]. Além disso, os terceirizados não tem direito ao auxílio creche e nem a jornada de 8 horas, trabalhando, em média, três horas a mais que os funcionários efetivos.
A imensa maioria dos trabalhadores precarizados é formada por mulheres. Somos 70%[10] da mão de obra terceirizada do País.
Assim, podemos afirmar que a terceirização tem rosto de mulher, principalmente de mulheres negras. Essa realidade combinada aos cortes na educação e na saúde, impactará brutalmente a vida da mulher trabalhadora, que em sua maioria arca sozinha com as responsabilidades da família.
A Reforma Trabalhista, que isentará as empresas de arcarem com licença maternidade e outros direitos adquiridos pelas mulheres, vem acompanhada da nefasta Reforma da Previdência, que quer estabelecer que trabalhemos “até morrer”.
O projeto original da reforma previdenciária acaba com a diferença de idade entre homens e mulheres para se aposentar, igualando o tempo de contribuição, mesmo com as mulheres trabalhando mais por causa da dupla jornada e começando a trabalhar mais cedo informalmente, fruto do trabalho doméstico, que isenta o Estado da obrigação com o cuidado e manutenção das famílias.
O combate aos ataques sem ilusão nas saídas reformistas 
É preciso combater os ataques atuais, impondo que a crise seja paga pelos grandes capitalistas com seus lucros. Para isso, precisamos nos livrar de qualquer ilusão nas saídas apresentadas pelos reformistas, que por um lado defendem a volta de Lula e por outro propagam que nossas demandas seriam resolvidas através de governos liderados por mulheres.
Nos últimos anos de governo do PT, o trabalho terceirizado aumentou 127%[11], saltando de quatro milhões para 12,7 milhões em 8 anos, o que equivale a dizer que o governo petista triplicou a terceirização referendada agora pelo golpismo. Ao contrário de melhorar a vida das mulheres, com Dilma à frente da presidência, as trabalhadoras seguiram recebendo 30%[12] a menos que os homens e os cortes na educação atingiram R$ 9,2 bilhões, sendo que 37% do orçamento para educação deveria ser destinado às creches e criação e manutenção de escolas.
Dilma em nenhum momento defendeu o direito ao aborto. Hoje em nosso país um milhão de mulheres morrem por ano vítimas de abortos clandestinos; uma mulher morre a cada dois dias.
Além disso, o número de mulheres encarceradas cresceu 567%[13] –  em sua maioria estão as mulheres negras, que vivem em condições precárias, sem condições especiais para sua saúde e cuidado dos filhos pequenos. Além disso, em nenhuma penitenciária brasileira existe creche. Lembramos que três em cada 10 mulheres presas estão detidas sem julgamento ou condenação.
Nos 13 anos de governo do PT, abriu-se espaço para direita que hoje governa o país. Foi o PT que ao assumir a presidência garantiu à Igreja e à bancada religiosa que não legalizaria o aborto. O PT nomeou o religioso Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias e permitiu que impedisse a distribuição do kit anti homofobia nas escolas, aprofundando a realidade de um país ainda mais violento para homossexuais, transgêneros e travestis. As mulheres no governo petista seguiram morrendo pela violência machista.
Por essas questões, alimentar qualquer esperança de que uma mulher significa avanço nas demandas dos movimentos de mulheres é uma grande armadilha. Para termos conquistas precisamos confiar somente nas nossas forças e nos métodos próprios de nossa classe, como as greves, ocupações de fábrica, fechamento de ruas. Unificando mulheres e homens trabalhadores para garantir nossas condições de vida e para construir uma força capaz de questionar a fundo todo o sistema capitalista e suas formas de opressão.
A luta das mulheres deve ser contra o capitalismo
O capitalismo se utiliza das opressões para nos dividir e explorar. Divide nossa classe entre homens e mulheres, brancos e negros, heterossexuais e homossexuais, propagandeando que para termos uma vida melhor devemos competir com nossos irmãos e irmãs de classe. O machismo cumpre essa função nesse sistema. Por isso, para além de lutarmos por melhores condições de vida nessa sociedade, nosso horizonte deve ser por uma sociedade sem classes.
Os últimos anos estão marcados em todo o mundo pela crise capitalista, mas estão ainda mais marcados pelas enormes mobilizações de amplos setores contra a carestia, os ajustes e a luta por uma sociedade mais justa.
As mulheres têm sido protagonistas nesses grandes embates. Na Argentina, Chile, México e Itália tomaram as ruas contra a violência machista e os feminicídios. Na Polônia, Irlanda e Coréia do Sul, milhares saíram às ruas em luta pelo direito ao aborto. Na França e Islândia, as mulheres estão no combate contra as diferenças salariais. Nos Estados Unidos, a resistência contra o machista de marca maior, Donald Trump, é encabeçada por milhares de mulheres. No Brasil também as mulheres protagonizaram nos últimos anos lutas contra a violência, tomaram as ruas e estiveram à frente do que foi chamada de “primavera feminista”.
Esses embates de mulheres mostram a resistência à crise capitalista e aos ataques que os grandes empresários em todo o mundo querem descarregar sobre nós.
Este ano coincide com o centenário da Revolução Russa, onde as mulheres foram linha de frente e estiveram nas primeiras fileiras do processo revolucionário, que se iniciou no 8 de março de 1917, com uma enorme greve das trabalhadoras têxteis de São Petersburgo e que se estendeu às trabalhadoras e trabalhadores de todos os setores, culminando na tomada do poder pelos trabalhadores em outubro.
Retomar essa tradição é fundamental para que nossa luta seja no sentido de derrubar os vestígios dessa sociedade baseada na exploração e opressão de milhões de seres humanos para construirmos, sobre suas ruínas, uma nova sociedade socialista.
Ao passo em que tivemos algumas conquistas, o aumento da pobreza e da força do trabalho precarizado, fruto do trabalho das mulheres, é maior do que em qualquer outra época da história mundial. Se reproduz em escala gigantesca a violência e a opressão de milhões de mulheres em todo o mundo.
As conquistas não são iguais para todas as mulheres e os dados apresentados ao longo desse artigo são claros e desnudam a farsa da igualdade de gênero. A luta das mulheres deve ser um enorme movimento pela emancipação do conjunto dos oprimidos e pelo fim da exploração. A crise que atravessa o mundo hoje e impõe às mulheres o pior dessa sociedade de classes é a prova cabal de que o capitalismo só sobrevive à custa das maiores penúrias impostas à maioria da população. O capitalismo divide, escraviza e humilha e somente lutando contra as normas e a exploração dessa sociedade é que poderemos construir as bases de uma sociedade livre do machismo.
Retomando os ensinamentos das mulheres russas que foram protagonistas da revolução e impulsionaram a luta das mulheres, renovada com a força empregada nos anos recentes, poderemos construir a única saída possível para nossa real emancipação, derrotando a ordem das coisas existente hoje e transformando cada conquista parcial em um passo a mais para a construção de uma nova sociedade. Esse artigo é também um convite para que conheçam o recém lançado Manifesto Internacional do Pão e Rosas, que resgata a tradição da luta das mulheres para a construção de um feminismo socialista que coloque abaixo o capitalismo e abra espaço para uma sociedade livre da exploração e das opressões. Os setores que mais sofrem com a sociedade atual são justamente os mais abnegados na luta pelo novo. Assim, as mulheres, como já provaram ao longo da história, cumprirão o papel de arrastar atrás de si os demais setores oprimidos dando início a construção de uma sociedade socialista.
Fonte: Idéias de Esquerda, revista de Política e Cultura.